Por Richard Simonetti
1 – Em O Livro dos Espíritos, Allan Kardec aborda como tema inicial a existência de Deus. Alguma razão especial?
Deus é a idéia primeira, a base de nossas convicções religiosas e de nossa orientação moral. Sem um Criador com objetivos definidos para a Criação, sem uma meta a alcançar, a Vida perde o sentido.
2 – A existência de Deus é um princípio de fé, uma idéia religiosa. Não compromete a racionalidade em que se situa o Espiritismo?
O objetivo da Doutrina é exatamente dar à crença uma substância de racionalidade, como bem exprime o próprio Codificador na máxima: Fé verdadeira é aquela que pode encarar a razão face a face, em todas as épocas. Kardec instituiu o princípio da fé racional.
3 – Pesquisas constatam que perto de cem por cento dos brasileiros acreditam em Deus, na sobrevivência da alma e nas conseqüências das ações humanas. Essa crença parece não repercutir em seu comportamento. Prevalecem mentiras, traições, adultérios, corrupção, vícios, isso sem falar dos que se dedicam ao crime. Como explicar essa contradição?
A crença em Deus é algo superficial, distante para o homem comum. A própria noção de que há uma justiça divina, que premia os bons e castiga os maus, não chega a repercutir no comportamento dos religiosos.
4 – O Espiritismo consegue superar esse descompasso entre a crença e a vivência?
Sem dúvida. Num primeiro momento, a Doutrina racionaliza a idéia de Deus, a partir da resposta do mentor espiritual a Kardec, na questão número quatro: podemos provar a existência de Deus considerando que não há efeito sem causa. O Universo é um efeito inteligente. Forçosamente, tem uma causa inteligente.
5 – E num segundo momento?
Mostra-nos de forma clara e objetiva como é a Vida Espiritual e o que nos espera, se não atendermos à ordem universal, disciplinando nosso comportamento.
6 – Parece não haver espaço entre os cientistas para a idéia de um Criador. Concebem que o Universo construiu-se a si mesmo, atendendo às leis que o regem.
Incrível que pessoas tão inteligentes desenvolvam raciocínios tão simplistas! Se o Universo criou-se a si mesmo, atendendo às leis que o regem, quem fez essas leis, quem as sustenta, quem as faz funcionar? Como dizia Tomaz de Aquino, se tudo é movimento na Vida Universal, desde o verme que nas profundezas do solo o fertiliza, aos mundos que se equilibram no espaço, forçosamente há um motor parado, que sustenta essa movimentação. Por isso Voltaire, não obstante sua irreverência, proclamava: Se Deus não existisse seria preciso inventá-lo.
7 – Como é Deus, sob o ponto de vista espírita?
O Deus mostrado pelo Espiritismo é o mesmo pai generoso revelado por Jesus, que aponta caminhos, acenando-nos com um glorioso porvir.
8 – A tradição religiosa sugere um pai à moda de Moisés. Misericordioso com aqueles que o obedecem, não vacila em castigar com requintes de crueldade os desobedientes. É assim para o Espiritismo?
Deus não castiga ninguém. O suposto castigo divino, quando nos transviamos, é apenas uma reação da nossa própria consciência. Fomos programados para o Bem. Quando nos envolvemos com o mal é como se agredíssemos a nós mesmos, habilitando-nos a sofrimentos regeneradores.