Por Orson Peter Carrara
“Eu não desprezo ninguém; lamento os que agem mal, rogo a Deus e aos Bons Espíritos que façam nascer neles melhores sentimentos. E isso é tudo. Se retornam, são sempre recebidos com júbilo. Mas, correr ao seu encalço, isso não me é possível fazer .”- Allan Kardec.
Periodicamente o movimento espírita é abalado com discórdias, acusações e dificuldades de relacionamentos entre os próprios espíritas, culminando com a “roupa suja” lavada fora de casa em páginas da imprensa espírita. Isto em nada abala a Doutrina Espírita, pois se trata do comportamento do homem espírita, ainda distante da perfeição, pois que em busca do aperfeiçoamento moral.
E isto quando os fatos extrapolam para fora do ambiente onde os focos geradores da discórdia não puderam ser beneficiados pela mensagem clara do Evangelho. Mas e se buscarmos as situações localizadas de grupos que se separam, de ideais que “esfriam”, de companheiros que desertam, fruto das ambições e dificuldades morais que todos trazemos?
Em grupos pequenos ou grandes, em centros urbanos maiores ou em pequenas cidades interioranas, as dificuldades do relacionamento humano têm posto a perder grandes iniciativas que poderiam beneficiar muita gente. Infelizmente.
Mas, como agir? Como trazer de volta a concórdia, superar essas barreiras, vencer esses terríveis obstáculos?
Normalmente surgem pela disputa de poder ou pela imposição das idéias, todos porém como frutos diretos do egoísmo, inimigo do progresso já indicado pela revelação espírita. Interessante notar que são problemas de todos os tempos e lugares, dentro e fora do ambiente espírita, pois afinal trata-se de um problema humano e não exclusivo dos espíritas. Aqui analisamos a questão do movimento espírita em si, mas essas dificuldades estão em toda parte onde há a presença humana. Nota-se seus efeitos em todas as classes sociais, em todos os países, em qualquer idade ou família, em instituições, empresas e até mesmo nos conflitos psicológicos vividos na intimidade de cada um…
É o preço da inferioridade que ainda trazemos ou ainda, num melhor enfoque, um convite ao aperfeiçoamento individual (que redundará no melhoramento geral da sociedade) para que nos livremos desses entraves à tão esperada fraternidade que se espera viver na sociedade humana.
A cada ano, renovam-se os votos de paz e felicidade no ano novo, mas estas dependem do comportamento de cada um. Na soma dos bons propósitos colocados em prática.
Mas, onde fica a posição de Allan Kardec nesta questão?
Como agiria o Codificador em situações assim?
Em conferência pronunciada aos espíritas de Lyon e Bordeaux, na França, em l862, Allan Kardec expôs seu pensamento com muita clareza, demonstrando seu firme posicionamento frente aos melindres humanos. Ao examinar com profundidade as causas de certas animosidades, ele relaciona diversas situações geradoras de perturbações nos relacionamentos, citando os especuladores, os eternos descontentes, melindrosos, exaltados e outros tipos humanos, inclusive os inimigos declarados. Nos deteremos, porém, na situação escolhida para este trabalho: A censura endereçada ao Codificador, pelo comportamento de nada fazer para trazer de novo ao convívio aqueles que se afastam, por diversas razões. E aí enquadramos o movimento espírita e suas dificuldades, para citar e comentar sobre o texto inicial deste artigo.
Allan Kardec comenta de início que a censura procede e que a merece, pois jamais deu um único passo no sentido de trazer de volta os descontentes ou contrariados, apresentado seus motivos. E aqui, deixamos a palavra com ele mesmo, apresentando aos leitores pequena transcrição:
“(…) Aqueles que de mim se aproximam, fazem-no porque isto lhes convém; é menos por minha pessoa do que pela simpatia que lhes desperta os princípios que professo. Os que se afastam fazem-no porque não lhes convenho ou porque nossa maneira de ver as coisas reciprocamente não concorda. Por que então, iria eu contrariá-los, impondo-me a eles? Parece-me mais conveniente deixá-los em paz. Ademais, honestamente, carece-me tempo para isso. Sabe-se que minhas ocupações não me deixam um instante para o repouso. Além disso, para um que parte, há mil que chegam. Julgo um dever dedicar-me, acima de tudo, a estes e é isso que faço. Orgulho? Desprezo por outrem? Oh! Não! Honestamente, não! Eu não desprezo ninguém; lamento os que agem mal, rogo a Deus e aos Bons Espíritos que façam nascer neles melhores sentimentos. E isso é tudo. Se retornam, são sempre recebidos com júbilo. Mas, correr ao seu encalço, isso não me é possível fazer, mesmo em razão do tempo que de mim reclamam as pessoas de boa vontade, e, depois, porque não empresto a certos indivíduos a importância que eles a si próprios atribuem. Para mim, um homem é um homem, isto apenas! Meço seu valor por seus atos, por seus sentimentos, nunca por sua posição social. Pertença ele às mais altas camadas da sociedade, se age mal, se é egoísta e negligente de sua dignidade, é a meus olhos, inferior ao trabalhador que procede corretamente, e eu aperto mais cordialmente a mão de um homem humilde, cujo coração estou a ouvir, do que a de um potentado cujo peito emudeceu. A primeira me aquece, a segunda me enregela. (…)”
Não acha o leitor que o posicionamento de Kardec cabe bem nas dificuldades atuais do movimento espírita?
Os apelos dos espíritos, sempre presentes nas mensagens convidam o espírita a unir forças e superar barreiras, pela Causa maior de Jesus, que espera nossa adesão aos programas do bem. O Evangelho indica o caminho e o estudo doutrinário, atento e continuado, é capaz de nos fazer enxergar que as tolas vaidades e infrutíferas disputas a nada levam, a não ser a preciosa perda de tempo…
A propósito, para indicação ao leitor interessado, a íntegra do discurso pronunciado por Kardec encontra-se no livro VIAGEM ESPÍRITA EM 1862, editado pela CASA EDITORA “O CLARIM”, entre outras valiosas palestras, por ocasião de viagem a serviço da divulgação doutrinária.
Publicado originariamente na Revista Internacional de Espiritismo, de fevereiro/2000
(Texto recebido em email de Leda Flaborea, São Paulo)